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A crescente onda no uso do medicamento Ozempic e os possíveis impactos no Seguro Saúde

15.04.2024 - Fonte: Insurtalks

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Originalmente prescrito para o tratamento do diabetes tipo 2, o medicamento Ozempic voltou a ser notícia recentemente após diversos famosos demonstrarem resultados drásticos de emagrecimento. Ele é conhecido por induzir a perda de peso como um de seus efeitos, resultando em sua utilização off label (fora das indicações contidas na bula), principalmente com propósitos estéticos. Apesar de associada à perda de peso, essa redução pode acarretar também na diminuição da massa muscular e na densidade óssea. Assim, o uso indiscriminado do medicamento pode trazer malefícios à saúde. No Brasil, houve também um aumento no seu uso, tanto por indivíduos que buscam benefícios estéticos quanto por aqueles que a utilizam mesmo sem um diagnóstico formal de obesidade, fator esse que tem causado preocupações, levando seguradoras a repensarem suas políticas.

Uso off label do Ozempic e papel do seguro saúde em casos de obesidade

A obesidade, classificada como uma epidemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma condição de saúde pública complexa que está associada ao desenvolvimento de várias outras doenças. No Brasil, de acordo com um estudo recente do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), a prevalência da obesidade entre os beneficiários de planos de saúde aumentou em 7,2 pontos percentuais entre 2008 e 2021, passando de 12,9% para 20,1%. Segundo Rafael Robba, sócio do escritório especializado em direito à saúde Vilhena Silva Advogados, os pacientes com obesidade têm direito a todos os procedimentos necessários para combater a doença. Isso inclui desde tratamentos clínicos, como consultas e acompanhamento nutricional, até intervenções cirúrgicas, como a cirurgia bariátrica (quando indicada) e a cirurgia para remover o excesso de pele (quando necessário). Robba observa que a recusa em autorizar a realização da cirurgia bariátrica (ou a reparadora, para remover o excesso de pele) por parte das operadoras de saúde é a principal razão que leva os usuários de planos de saúde que lutam contra a obesidade a buscar assistência judicialmente. Em casos de obesidade e outras condições relacionadas ao peso, a cobertura de tratamentos como o Ozempic pode variar de acordo com o plano de saúde e suas políticas específicas. Alguns planos de saúde podem oferecer cobertura para medicamentos prescritos off label, enquanto outros podem restringir ou negar a cobertura para esses casos.

Seguradoras de saúde não são obrigadas a garantir cobertura?

A onda de utilização do Ozempic tem levantado questões acerca da cobertura do medicamento pelo Seguro Saúde. Débora Zanon, advogada da área de healthcare e life sciences do Vernalha Pereira, argumenta sobre a não obrigatoriedade da cobertura do Ozempic por parte das seguradoras de saúde. A advogada revela que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabelece o Rol de Procedimentos, regido pela Resolução Normativa n.º 465/2021, que determina a cobertura mínima obrigatória para os planos de saúde. Esse rol passa por revisões periódicas para incorporar avanços médicos e tecnológicos, visando garantir uma cobertura justa para todos os beneficiários, mantendo custos viáveis. Diante disso, a Lei 9.656/98, em seu artigo 10, inciso I, não obriga a cobertura de medicamentos experimentais pelos planos de saúde. A Resolução Normativa n.º 428/2017 da ANS, revogada pela RN n.º 465 de 2021, definia medicamento experimental como aquele sem indicações na bula registrada na ANVISA (uso off label).

Legislação brasileira obriga o fornecimento do Ozempic pelas operadoras de saúde

Apesar das ponderações de Zanon, outros especialistas contrapõem o argumento, alegando que nenhuma das justificativas é suficiente para a negação de cobertura por parte das operadoras de saúde. A Súmula 102 do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) afirma que, diante da indicação médica para determinado tratamento, a operadora de saúde não pode se recusar a cobrir as despesas envolvidas. O mesmo é válido para os medicamentos prescritos.Além disso, pela Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/98), os convênios médicos devem garantir a cobertura de todas as doenças listadas no CID-10, a Classificação Internacional de Doenças.

Uma vez que a diabetes está nesta lista, ela deve ser coberta, assim como os tratamentos e medicamentos relacionados. Vale lembrar, ainda, que não compete à operadora opinar sobre o tratamento indicado pelo médico ao seu paciente. No caso da indicação do medicamento, não há espaço para questionamento por parte da empresa de saúde. Mesmo assim, alguns planos de saúde ainda podem recusar o fornecimento da cobertura. É possível que as empresas se apoiem nos argumentos de que o medicamento não está no Rol de procedimentos obrigatórios da ANS, a recomendação médica não está de acordo com a bula (off label), ou que o remédio é de uso domiciliar. Felizmente, nenhuma dessas justificativas é o suficiente para sustentar a negativa.

Seguradoras estão lutando com custeio do medicamento

O custo desse medicamento pode ser impactante, especialmente para aqueles sem cobertura adequada ou que dependem de planos de saúde com coberturas limitadas. Como resultado, em outros países, as seguradoras estão revendo suas políticas de cobertura devido ao alto valor do Ozempic. Embora tenha havido entusiasmo em torno dos medicamentos para perda de peso, o prognóstico em alguns aspectos não foi totalmente positivo. Se 80% dos americanos com obesidade começassem a tomar Ozempic ao custo atual, “isso levaria o sistema de saúde à falência”, disse o Dr. Richard Kahn, ex-diretor científico e médico da American Diabetes Association ao New York Times.

Carolina do Norte retirou cobertura para Ozempic após gastos milionários neste ano

O Plano Estadual de Saúde da Carolina do Norte, que beneficia aproximadamente 480 mil pessoas, gastou 100 milhões de dólares em medicamentos no último ano. Um consultor projetou uma perda de 1,5 bilhão de dólares até 2030, caso o padrão de gastos continuasse. A tentativa de cessar a cobertura para novos pacientes neste ano foi confrontada pela Novo Nordisk (fabricante do produto), que retirou os descontos. Isso resultou em um aumento de 54 milhões de dólares nos gastos com prescrições para pacientes existentes, de acordo com dados estaduais de saúde do estado. Embora tenha tentado negociar preços mais baixos com os fabricantes, a área de saúde estadual da Carolina do Norte não conseguiu um acordo, levando o conselho a decidir pela retirada total da cobertura a partir de abril. Essa decisão pode ter implicações significativas no mercado de medicamentos anti-obesidade, com estimativas de Wall Street projetando um crescimento para 100 bilhões de dólares ou mais até 2030. Outros estados e seguradoras também enfrentam aumento nos custos e pressão dos fabricantes de medicamentos para incluir esses medicamentos em suas coberturas.

É preciso pensar em soluções para garantir o bem-estar do segurado

A crescente onda de uso do Ozempic está colocando pressão sobre as ofertas de cobertura dos seguros de saúde. Enquanto o uso off label do Ozempic pode oferecer benefícios significativos para pacientes com obesidade, é importante considerar os riscos associados e entender o papel do seguro saúde na cobertura desses tratamentos. Além desse fator, os altos preços do medicamento e o seu uso frequente devem ser levados em conta por conta dos possíveis impactos no seguro saúde. O caso da Carolina do Norte é exemplo dessa luta, onde o aumento dos gastos com medicamentos levou à retirada da cobertura, destacando a tensão por parte das seguradoras e fabricantes. Essa situação não é única e reflete uma tendência mais ampla enfrentada por sistemas de saúde em todo o mundo, onde a necessidade de acesso a medicamentos como o Ozempic se choca com a realidade dos altos custos e a busca por soluções equitativas. O impacto vai além dos limites de um único plano de saúde ou país, afetando diretamente pacientes que dependem desses medicamentos para seu bem-estar. Portanto, enfrentar o impacto da crescente utilização do Ozempic requer uma abordagem centrada no paciente, garantindo que as necessidades de saúde sejam atendidas de forma mais eficaz e acessível possível.

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